terça-feira, 19 de junho de 2018


Nossas Capelas – Um pouco de História
Nos primórdios da Colônia do Paracatu, o pessoal que aqui chegou ficou disperso pelas diversas regiões, muitas vezes até isolados. A assistência religiosa era precária. O Vigário de João Pinheiro celebrava na sede (hoje Brasilândia), o administrador mandava o caminhão para levar as pessoas para a missa e batizados. Mais tarde Frei Dionísio começou a celebrar no Riachinho do Gado Bravo. As primeiras missas eram celebradas na residência do colono Jorginho Araújo. Posteriormente, em 1954, a comunidade se organizou e foi construída a capela no lote da escola. Foi a primeira capela construída em toda a Colônia (*). Foi colocada sob a proteção de Santo Alberto de Sicília, santo da Ordem Carmelitana. Por se tratar de um santo da Ordem, Frei Dionísio escolheu o santo por ser protetor contra as febres, a região era insalubre, dava muita malária. Fundou-se a Conferência de Nossa Senhora do Carmo. Além da missa todos os meses, havia a celebração da dominga, com leilões. Celebrava-se um culto, terço e outra devoções. As missas eram celebradas no adro, pois era tal o acúmulo de fiéis que não cabia na capelinha. Carros de boi chegavam do Boqueirão, Sapato, Forquilha, Buriti do Barro, Peri Peri, Poções, Novilha Brava e outros lugares. Famílias se deslocavam com cozinha, camas, etc. para participar da missa, batizar os filhos e os casamentos. Os noivos se aprontavam no barraco ao lado, as noivas, pois os noivos iam ao cerrado e se trocavam; bandos de seriemas faziam a maior algazarra e tudo acontecia de forma tão descontraída. Até o almoço era preparado e servido debaixo das árvores. Em setembro celebrava-se a festa de Santo Alberto e São Vicente. Belos tempos.
(*) primeira capela construída na Colônia. Havia grande afluência de fiéis pois não havia outra. Posteriormente, a Colônia construiu a capela de Nossa Senhora Aparecida, ampliada e desfigurada, pois era bastante moderna a construção original.

Dom Bosco
Na década de 60, começaram a surgir as novas comunidades. Na Forquilha do Espinho, hoje Dom Bosco, em 1962 Frei Adolfo Brito Pessoa iniciou a formação da comunidade. No entorno as “reservas” tinham muitos moradores o que impulsionou muito o desenvolvimento do lugar.A família de Dorinato deixaram o Riachinho e muito ajudou na nova comunidade. O nome de Vila Dom Bosco foi dado por Doutor Miguel Tozzi, administrador da Colônia. São João Bosco foi também dado como padroeiro. Ex-aluno salesiano Doutor Miguel, natural de Juiz de Fora, segundo relatou-me em recente visita que tive a honra de recebê-lo, que cursou o Colégio Salesiano em São João Del Rey. Por isso a sua ligação com nosso padroeiro. Conversando com Dona Maura ela falou-me da resistência em aceitar o padroeiro, pois a escolha da Comunidade foi Nossa Senhora Aparecida.
No ano de 2019, o Padre da Paróquia resolveu construir nova igreja matriz, tendo em vista que a atual já era pequena para comportar os fiéis. Após realização de intensa campanha para angariar fundos, ocorreu um impasse . A administração municipal, talvez por falta de diálogo entre as partes delibera fazer o tombamento da igreja como patrimônio histórico. O Padre por sua vez reúne o Conselho da Paróquia e decidem demolir a igreja; o tombamento tornaria o bem intocável. No dia 26 de outubro de 2019, pelas 10h uma retroescavadeira se posicionou e iniciou os trabalhos de demolição. A Comunidade dividida entre os partidários da construção da nova igreja foram surpreendidos pelos protestos liderados pela prefeita. Segundo as reportagens divulgadas pelos mais destacados órgãos de comunicação, os conflitos geraram o apedrejamento do Padre, inclusive da recém construída casa paroquial. Foi um lamentável incidente que marcará para sempre a História da pacata cidade tranquila e ordeira. Oxalá os próximos capítulos não registrem nada tão desagradável.  
(Detalhes sobre a História de Dom Bosco consultar os registros da Professora Sueli Gomes da Silva).

Córrego da Ponte
A capela do Córrego da Ponte foi construída em 1963. Sob a liderança do Senhores José Manoel da Costa, Edir Rabelo, Antônio Dias, Leopoldo e Antoninho Pires,do Porto. Com a anuência de Frei Humberto deu-se início a campanha pró construção. No dia 15 de agosto de 1963 passei no local para conhecer e conversar com uns amigos que trabalhavam na obra. Tratava-se de uma pequena capela. Moradores do Porto dos Poções (*), Limoeiro, Extrema passaram a fazer parte da Comunidade da Igrejinha, nome que passou a ser conhecida. Originalmente o nome é Córrego Ponte. O Senhor José Manoel doou uma determinada porção de terra para a construção. Em 1965 teve início a construção do prédio da Escola Estadual São Sebastião, hoje desativada, ao lado da Igreja. No início da década de 70(*) bonita procissão saindo da residência do Senhor Jésus Manoel trazendo as imagens deSão José e Nossa Senhora Aparecida para a capela onde aconteceu a respectiva entronização.  Também nessa época começaram os festejos do encerramento do mês de Maria; houve tempos em que era uma festa muito animada.Aquele tempo a estrada que partia de Brasilândia no alto do Gado Bravo bifurcava indo para a Forquilha do Espinho, sendo que a outra tomava a direção do Porto dos Poções com destino a Paracatu. Poucos lembram ainda do Porto dos Poções, reconhecido nos guias de navegação do início do século passado. Havia muitos moradores nas redondezas nas lavouras ou mesmo nas carvoarias, hoje o número de moradores caiu bastante. Comunidade acolhedora, destaca-se pelas grandes propriedades e o chão vermelho, característico do cerrado.
(*) Porto dos Poções no rio Preto. Mencionados nos guias de navegação do início do século passado quando havia navegação. Uma balsa atravessava carros com destino a Paracatu. Muito antes era a ligação de Paracatu com a região urucuiana no tempo do carro de boi e tropas.
 (*) A entronização pode ter acontecido ainda na década de 60.


Novilha Brava
A região da Novilha Brava abrangia o Baixo Gado Bravo, Cascalho e Suçuarana. Àquele tempo tudo girava em torno da casa da Novilha, antiga sede de fazenda que pertenceu à Dona Joaquina do Pompeu. Com o advento da Colônia, tornou-se sede do lote, que foi adquirido pelo Senhor Irineu de Paiva (*) em novembro de 1958. Desde 1960 passou funcionar nesta a Escola Rural, recebia alunos de toda a redondeza. Em março de 1963, mais precisamente no dia 13, Frei Humberto celebrou a primeira missa. No mesmo ano foi feito o loteamento do remanescente da reserva, tendo o topógrafo da Colônia, Senhor Espedito Sebastião Ferreira reservado o lote da capela e da escola. Coube também ao mesmo escolher o padroeiro e o nome do povoado: Vila Santo Antônio.(*) As celebrações continuaram na casa da Novilha até abril de 1965, desde então a partir de 13 de junho, com a celebração da festa de Santo Antônio, passou-se a celebrar na Vila. A celebração da primeira festa foi precedida da Trezena ocasião em que já angariava fundos para a construção da capela. Na véspera foi rezado terço e aconteceu o levantamento do mastro. O povo foi até a vargem próxima, apanharam o mastro e a bandeira e se dirigiram ao adro, numa grande manifestação folclórica e religiosa, cantorias, instrumentos, a música “Ó que santo é este que vamos levar, é o Senhor Santo Antônio para festejar” marcou. Ao chegar ao local da futura capela, iluminado pela fogueira, foi erguido o mastro sob o espocar de fogos de artifício. Um sistema de iluminação original foi usado, estacas de vinhático fincadas nas imediações iluminavam todo o local. A simplicidade, a originalidade e a alegria, fez com que nunca mais aconteceu um levantamento do mastro tão marcante.
(*) Irineu de Paiva, meu pai, adquiriu em 20/11/1958 o lote da Novilha. Procedente da região do rio Doce passou nele residir com sua família a partir de 09/02/59.
(*) Tia Lucinda havia pedido ao meu pai que construísse um capela dedicada a São Pio X. Doou para a nova capela uma toalha de altar de linho com rendas confeccionadas por ela a bordo do transatlântico "Frederico C" em suas peregrinações à Europa.

A Vila Santo Antônio parecia um sonho.
A população da nova Vila era constituída de pobres roceiros. Chegaram quase sem nada, ganharam um pedaço de terra para cultivar, como se tratava de terrenos sujeitos à enchente, a administração loteou o remanescente, aliás que era um pouco mais alto para fazerem as casas. Foram surgindo casebres cobertos de palha de buriti. O projeto da construção da capela, conforme o topógrafo Espedito havia pedido, estava parado. Um fato novo foi providencial para que a capela surgisse. Naquele tempo as paróquias ocupavam uma extensão enorme. Um sacerdote atendia na medida do possível uma grande população. O Bispo de Paracatu, Dom Raimundo Lui achou por bem criar de forma verbal a paróquia de Brasilândia. Ela ocuparia parte do município de João Pinheiro e foi confiada a Frei Basílio, também carmelita. A paróquia de Bonfinópolis a cargo de Frei Humberto, se restringiu aos limites do município. A comunidade do Riachinho era constituída em grande parte por moradores da banda de cá do Gado Bravo, por isso o padre para acomodar os fiéis na sua respectiva paróquia, interessou-se pela criação da comunidade, apoiando a construção da capela prometendo dar toda assistência necessária. Diga-se de passagem, ele cumpriu rigorosamente o prometido por mais de trinta anos. Tratava carinhosamente a Novia Braba uma das comunidades de sua predileção (*). Aquele tempo, em 1965, o padre andava a cavalo pela vastidão de sua paróquia.
(*) Sobre Frei Humberto e fatos relacionados a ele escrevi “O Semeador de Comunidades”.


A História continua...
As distâncias eram enormes. O padre tinha os pousos onde pernoitava, atendia o povo nas confissões e celebrava a missa e após administrava o batismo. Por longos anos lá em casa hospedava o padre. Até o Bispo quando havia necessidade cumpria os compromissos do pároco. Depois de conhecer o local da futura capela, onde em 1964 percorri com ele em meio a capoeira de mororó, em abril de 1965 autorizou a campanha para a construção. Autorizou ainda a reza do Mês de Maria e ato contínuo o início da Trezena de Santo Antônio, cuja festa realizou-se no dia treze. Os moradores se reuniram em mutirão e desbravaram o matagal, encarregando inclusive João Evangelista Peres para ser o Tesoureiro. Levantou-se um barraco de palha para servir de capela provisória. Conforme pedido do padre foi fundada em 27/05/65 a Conferência de São José; seu arquivo registra um pouco como era a situação dos moradores e a carência naquela época. Posteriormente, em 04/03/74 teve sua Carta de Agregação outorgada pelo Conselho Geral da SSVP em Paris. O Centro do Apostolado da Oração foi fundado em 06/06/65, o mesmo funcionou até pelos anos noventa. Foi doada uma pequena imagem de Santo Antônio por Helvécio Mendes Paiva; a mesma era colocada no altar improvisado e depois guardada no balaio que continha os enfeites de papel de seda. Até hoje não sabemos que fim levou a imagem. Foram feitos tijolos e no ano seguinte iniciou-se a construção. A capela primitiva era pequena, sendo acrescentada a parte de frente e também o fundo. Impressionante notar que ao ser celebrada a primeira missa, que sempre digo, foi o seu batismo e digo mais sem falsa modéstia, acolitei esse batismo, a Vila deslanchou. As vezes vemos que todas as cidades tiveram o seu início em torno de um cruzeiro, uma capelinha e a presença do sacerdote celebrando a primeira missa; aqui não foi diferente. A Administração da Colônia iniciou em 18 de agosto de 1965 a construção do prédio da Escola Santo Antônio; constava de duas salas de aula e uma secretaria. A primeira construção mais importante seguida da capela. Devagar começaram a surgir as primeiras casas de tijolos cobertas de telhas. O Frei Humberto entregou a comunidade aos cuidados dos leigos, pois ele afinal dado a extensão da paróquia não poderia vir com mais frequência, só mesmo para a missa mensal. Em todas comunidades leigos cuidavam das celebrações, dos leilões, etc. Quando o padre retornava deixava as orientações, folhetos e material das campanhas. As novenas de Natal e a Campanha da Fraternidade sempre tiveram destaque nas celebrações. O Concílio Vaticano II cujo encerramento se deu no final de 1965, trouxe muita inovação. A reforma litúrgica, a participação dos leigos, as celebrações na língua vernácula e não mais em latim. As partes da missa devagar foram rezadas em português. Tudo facilitou para a participação dos leigos. Interessante o que mais deixou o povo perplexo não foram as mudanças na liturgia, que foram assimiladas com muita facilidade, mas a reforma do calendário. Acostumados com os dias santos de tradição, diziam que o padre se tornou “crente”, aqui no sertão além de uma infinidade de dia santo, guardavam a “primeira segunda-feira de agosto”; até hoje não sei afinal o sentido do dia. Precisamos considerar o contexto, pois aquela época todos trabalhavam na roça, não empregados como hoje, além de não sofrer as influências dos meios de comunicação, o ambiente facilitava o cultivo das tradições. Outro aspecto a considerar é que a região tinha sua população formada por pessoas oriundas de muitos municípios com costumes diferentes, por ter passado por um processo de colonização. As festas de Santo Antônio eram celebradas com muita modéstia. A reza do terço, uma mesada de café com quitandas na casa do festeiro, após caminhavam até o adro e levantavam o mastro. Houve um ano, em 1971, deu uma chuva e o mastro caiu ao chão. A missa sempre celebrada no próprio dia do santo, conforme o padre prometeu quando da fundação da comunidade. Na trezena de 1969 houve muita animação devido à farta colheita. Sua renda na época possibilitou a aquisição do sino. Foi encomendado à Fundição Crespi de São Paulo, afamada na confecção de sinos. No primeiro Domingo do Advento soou pela primeira vez. Para surpresa da comunidade, o bispo Dom Raimundo Lui veio celebrar, tendo pernoitado em minha casa. Um fato pitoresco, descendo até à Vila, por ser um domingo pensou em celebrar a missa, mas tão logo acendia as velas e lamparinas uma nuvem de cupins alados tomava conta de tudo. Não houve solução, a missa ficou para o dia seguinte. De uma simplicidade extrema Dom Raimundo veio cumprir o calendário de missas, Frei Humberto estava hospitalizado em São Paulo. Nessa visita os esteios do sino estavam lavrados e serviram de bancos para o pessoal e o bispo no adro. Aquele tempo os roceiros vinham para a missa trazendo a enxada e roupa para trocar, terminada a missa, vestiam os trajes de roça e trabalhavam o restante do dia, com as bênçãos de Deus, é claro. Ninguém nunca reclamou que sua roça ficou no mato por ter participado da missa. A comunidade foi caminhando sempre assistida e orientada pelo padre. A celebração do culto dominical teve início em julho de 1974. No início havia um livro do culto, das Paulinas, só depois começaram a editar o folheto próprio da celebração da Palavra.A capela primitiva media apenas nove metros de comprimento, muito pequena. Foi ampliada acrescentando a parte de frente. No mesmo ano em julho de 75, aconteceu um encontro muito importante em Bonfinópolis. Diversas diretrizes da CNBB relacionadas às CEBS foram implementadas. No ano seguinte em Paracatu teve o grande encontro em nível diocesano. Todas paróquias foram representadas por numerosas delegações. No Natal de 1976 teve início a celebração da Novena de Natal. A novena com a participação das famílias sempre encerra com a Ceia de Natal conforme o tradicional costume. Momento de congraçamento e partilha. O Documento de Puebla foi amplamente estudado nos encontros realizados em Unaí. As paróquias de Bonfinópolis e Unaí por sinal muito extensas aquela época mandavam os representantes das comunidades. Aquele tempo não havia ainda desmembrado novos municípios e criado novas paróquias. Geograficamente uma enorme área era representada. Além dos estudos bíblicos ministrados por Frei Carlos Mester, o documento de Puebla teve seu estudo dirigido de forma didática por uma equipe de religiosas.

Geraldo M Paiva Junho/2018

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

DISTRITO DE SANTO ANTÔNIO DO RIO PRETO PÁGINA A PÁGINA

DISTRITO DE SANTO ANTÔNIO



O Distrito de Santo Antônio
Município de Dom Bosco-MG e Sua História.
Professor Geraldo Mendes Paiva

DISPENSA APRESENTAÇÃO

DISPENSA APRESENTAÇÃO




Os registros feitos minuciosamente pelo Professor Geraldo Mendes Paiva. Para quem o conhece, e teve o prazer de conviver cotidianamente com ele, sabe de sua capacidade intelectual. Conhece o seu interesse e preocupação pela preservação da Memória Cultural dessa Vila, hoje Distrito, sua gente e um pedaço do município de Dom Bosco, onde a família Paiva há 50 anos chegou, participaram efetivamente de seu crescimento e com seu trabalho e luta construiu e registrou sua história. 
Para quem não o conhece pessoalmente, perde a chance de conhecer um cidadão extremamente inteligente em todos os sentidos, mas mantém este saber escondido atrás de sua humildade. Além de gostar de registrar os fatos, tem aguçado poder criador, suas crônicas, as quais intitula como “Cenas do Cotidiano.” Retratam fielmente o quão sensível, observador e criativo é, não ficando nada a dever a nenhum dos famosos cronistas brasileiros. Apenas fazendo questão de ficar atrás dos bastidores. Discretamente, escondidinho aqui no sertão.(ver www.rimandoeencantando.blogspot.com)
Quisera eu, ter a capacidade para falar de tão ilustre ser humano, mas o vocabulário me falta para retratar com o brilhantismo devido seu trabalho como historiador,como ser humano, professor exemplar e chefe de família no verdadeiro sentido da palavra. Minha sensibilidade embora aguçada não encontra adjetivos adequados que possam retratar tudo que suas crônicas e poesias retratam deste pedaço de chão do Noroeste Mineiro abençoado por Deus e de plagas distantes onde o autor relembra sua infância.
Resta-me apenas dizer que o Sr. Geraldo Mendes Paiva, deixa importante legado ao povo de Santo Antônio e Dom Bosco, que por certo encontrarão em seus registros um veio de conhecimentos e em suas Crônicas e Poesias motivos que farão o coração bater mais forte levando-os a refletir, sentir saudade do ontem e olhar a natureza a sua volta com mais atenção. 
Espero de coração que todos saibam reconhecer e valorizar esse legado que não tem preço e que fica para a posteridade. Preservando-o e dando continuidade aos registros. A História, não é para uma década ou um dia é para sempre. E se não for registrada se perderá na penumbra do tempo.
Sr. Geraldo, só me resta agradecer-lhe, por ter sido meu colega de trabalho e com essa convivência ter recebido sempre seu apoio e incentivo em meus projetos rabiscados. Creia, aprendi muito com o Senhor. Embora sem chegar a seus pés.
Parabéns! Pelo seu zelo em registrar tantos fatos interessantes. Algum dia haverão de reconhecer que semeamos a semente. Se alguém vai regar para que dê frutos, só o tempo dirá. Ousamos, sonhamos e realizamos parte de um trabalho que dará a Dom Bosco sua Carteira de Identidade (sua História). Fazer a referida carteira fica a critério de nossas autoridades. Certo é, que demos a nossa contribuição. Que sem falsa modéstia é valorosa.
Um abraço da amiga, de sonhos, projetos e de vida!
Sueli Gomes da Silva - Dom Bosco/MG 03/12/2009

BIOGRAFIA

BIOGRAFIA


Biografia

Nome: Geraldo Mendes Paiva
Nascimento: 13/12/40
Naturalidade: Alvinópolis – MG
Filiação: Irineu de Paiva
Francisca Mendes Paiva
Cônjuge: Nair Mariz Paiva
Filhos: Vânia Aparecida Mariz Paiva e José Hélder Mariz Paiva.
Irmãos: Irene, Luzia, José Irineu, Helvécio e Inácia Aparecida.

Breve resumo.
Nasceu numa fazenda cercada de montanhas, com águas abundantes e ricas jazidas de minério de ferro; lugar denominado “Córrego das Pedras”, próximo ao povoado de São Tomé, hoje município de Dom Silvério. Com cinco anos de idade a família mudou-se para o Estado de São Paulo onde morou nos municípios de Santa Branca, Santa Cruz das Palmeiras e Araraquara. Retornou em agosto de 1949 a Minas. A procura de terras para trabalhar, motivou a mudança para a Colônia Agropecuária do Paracatu, em pleno sertão no noroeste do Estado, região que estava em fase de colonização, praticamente desabitada na ocasião. No ano de 1959, partindo da cidade de Dionísio iniciou a mudança tendo aportado em 09 de fevereiro no lote da Novilha Brava, justamente na antiga sede da fazenda, cujos vestígios demonstrava ter sido um ponto avançado da civilização em tempos passados.

Estudos.
Ingressou na escola aos sete anos, na “Escola Rural do Chibarro” localizada em uma fazenda no município de Santa Branca, Estado de São Paulo, sendo sua primeira professora Dona Flora. Permaneceu pouco tempo na escola, por motivo de mudança. Prosseguiu seus estudos em Minas Gerais, tendo concluído o Curso Primário nas “Escolas Reunidas de Sem Peixe” em 1953. O Ensino Fundamental completo cursou através do supletivo; o curso de Magistério, professor do Ensino Fundamental, através do Programa “Logos II” da Secretaria de Educação. Posteriormente fez o Adicional em Língua Portuguesa, na modalidade de ensino à distância, tendo sido diplomado pelo Colégio Dom Hélder Câmara de São Gonçalo-RJ. Cursou ainda outros cursos patrocinados pela SEE na área da educação.

Vida Profissional.
Trabalhou desde a infância em serviços vinculados à zona rural, como roças, hortas e olarias. Trabalhou também como pedreiro em construções de pequeno porte. Iniciou suas atividades como professor, tendo trabalhado com turmas de alfabetização de adultos no antigo Mobral. Ingressou no serviço público estadual como professor na E.E. Santo Antônio. Na mesma escola exerceu ainda os cargos de coordenador, diretor e vice-diretor além de serviços de escrituração escolar. Prestou concurso público tendo sido nomeado e empossado como professor no cargo de P1A. Lecionou como regente disciplinas do currículo em turmas de 5ª à 8ª séries, embora sem habilitação específica, atuou em Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia e História. Como diretor conseguiu a implantação do pré-escolar e a extensão de séries do ensino de primeiro grau. Obteve apostilamento no cargo de diretor passando a exercer outras atividades no excedente da carga horária. Por motivo da municipalização da Escola, foi transferido para E.E. Dom Bosco, em Dom Bosco, exercendo as funções de regência de turmas e auxiliar de biblioteca. Posteriormente ocupou o cargo de secretário da mesma Escola, onde permaneceu até o seu afastamento preliminar à aposentadoria em outubro de 2006. Fora do magistério exerceu ainda outros cargos: preparador eleitoral, a serviço da Justiça Eleitoral da Comarca de João Pinheiro no futuro distrito de Santo Antônio por onze anos; a serviço da Prefeitura de Municipal de Bonfinópolis como encarregado do Posto do SIAT e IESA.

Serviços Comunitários.
Participou dos trabalhos de fundação da Vila Santo Antônio e da organização dos primeiros movimentos comunitários e religiosos, como a Conferência de São José, Centro Catequético e a festa do padroeiro Santo Antônio. Como membro da Comissão de Saúde do antigo Comitê de Desenvolvimento, promoveu campanhas de educação comunitária e saneamento, incrementando a implantação de fossas sépticas e filtros. Durante as grandes inundações ocorridas em 1979, participou dos trabalhos de socorro às vítimas promovendo o levantamento de danos e providenciando víveres para os atingidos e vacinação contra a febre tifo. Pleiteou junto às autoridades a criação da unidade básica de saúde, diante da situação de carência em que vivia a população. Posteriormente com a criação do Conselho Comunitário de Desenvolvimento, tornou seu primeiro presidente. Em 1983, juntamente com outros companheiros fundou a Associação Comunitária, tendo inclusive elaborado seu estatuto. Com a entidade registrada na forma da lei, obteve da CODEVASF a doação do prédio do Centro Comunitário e da área do campo de futebol. Lutou pela criação do distrito de Santo Antônio mesmo quando ainda fazia parte do município de Bonfinópolis; embora estudos tenham sido realizados, só efetivou a sua criação em 2000, através de lei aprovada pela Câmara Municipal de Dom Bosco.

Fazenda Novilha Brava, 29 de junho de 2009.

50 ANOS DA FAMÍLIA PAIVA NA COLÔNIA 2009 NOSSA HISTÓRIA

NOSSA HISTÓRIA

Nossa História
FAMÍLIA PAIVA
50 ANOS NA COLÔNIA

“Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos espera. Mas saímos, saímos. Ao quando um belo dia, a gente parava em macias terras, agradáveis. As muitas águas. O rio desmazelado, livre rolador.”
Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, pág 302.

UM JORNAL DE EMBRULHO

UM JORNAL DE EMBRULHO


Um jornal de embrulho.

Certa manhã um dos meninos chegou em casa com uma mercadoria comprada na venda que ficava próxima; talvez uma rapadura, ou um pacote de macarrão; naquele tempo embrulhava as mercadorias em jornais usados. Meu pai que sempre gostou de ler jornais, tomou aquele pedaço e se pôs a ler; talvez por uma ironia do destino, aquele pedaço de jornal de embrulho mudou o roteiro da história de nossa família. Apanhou o pedaço de papel e lá estava um pequeno artigo no qual se lia: “Terra e gado para o homem do São Francisco”; adiante falava de uma Colônia às margens do rio Paracatu, no desconhecido noroeste do Estado. O governo federal havia loteado uma grande gleba e distribuía uma parcela de terra e algumas cabeças de gado para os colonos. Homem que não temia a aventura aquilo mexeu logo com sua imaginação. Sem terra própria, trabalhávamos nas mais variadas atividades. Plantávamos roça, horta, tocava olaria, capina de eucalipto na Companhia, aliás, tudo fazíamos para garantir o pão de cada dia. O sonho de ter um pedaço de terra, ainda que tão distante seria o ideal. Espírito aventureiro não pensou em outra coisa, sempre comentando que ainda haveria de ver de perto a tal Colônia. Embora também sonhado com um pedaço de terra, temíamos tão grande aventura. A região do São Francisco que a gente lia a respeito era o sertão cercado de lendas, feras e febres bravas, metia medo. Quem gostaria de enfrentar o sucuri que engolia um boi? Dizia minha tia que tudo que fosse plantado as aves devoravam, neste ponto ela não estava enganada, conforme constatamos depois. Dizem que Deus manda os recados através dos acontecimentos mais simples; uma pequena divergência com sua irmã, proprietária da fazenda onde morávamos, foi como um empurrão rumo ao desconhecido. O nosso amigo Chiquito de Trajano acabou de chegar com uma novidade. Foi em uma caçada lá para as bandas de um tal rio Preto, afluente do Paracatu, disse ter ouvido falar numa cidade não muito distante, desconhecida até então; dizia o nome de uma forma engraçada, ele falava Unai e não Unaí. Contou meu pai que lá era a tal Colônia que ele vira no jornal. Uma turma de caçadores de Monlevade todos anos ficavam quinze dias caçando no sertão. Debruçados sobre o mapa, analisaram toda região; um vazio imenso apenas traçado por rios, algum povoado desconhecido aparecia por acaso geralmente às margens dos rios, demonstrando que realmente a região era inóspita e desabitada. Agora só servia mesmo ir conhecer a tal Colônia. Conselhos não faltaram. Minha avó, coitada, talvez já pressentindo que não veria mais a sua filha, falou das dificuldades que na certa não faltariam. Afinal trabalho se arrumava em qualquer lugar. Dionísio era uma cidade pequena, tranqüila, muito boa para viver. Para quem morava tão próximo à cidade, com igreja, missa até diariamente, alguma diversão, muita amizade, enfrentar o desconhecido? Paracatu, Pirapora, Corinto, Curvelo eram uma referência em todo sertão; naquele tempo o oeste era o além-mundo. Idéia de maluco levar a família para um fim de mundo totalmente ignorado.
(GMP)

A AVENTURA COMEÇA

A AVENTURA COMEÇA

A aventura começa se tornar realidade.
Manhã de outubro, dia nove, ano 1958. Uma névoa branca cobria as encostas que rodeavam a cidade, com promessa de assim ficar o dia inteiro. O sino da matriz dobrava de meia em meia-hora em sinal de luto anunciando falecimento de Pio XII; naquele tempo quando o papa morria os sinos das igrejas tocavam o dia inteiro. A jardineira parou à entrada da cidade e mais um passageiro embarcou, iniciando uma viagem incomum naquela época. Até Belo Horizonte era admissível, tomando a direção do Rio ou São Paulo, mas para o sertão? Só mesmo alguém sem o mínimo de juízo. A construção de Brasília lá para as bandas de Goiás dava uma vaga idéia do que era o sertão. J.K. era tachado de doido; levar a capital para aquele fim de mundo? Deixar o litoral e transformar o planalto central, construir uma cidade em pleno deserto? O sonho de J.K. parece ter contagiado mais gente...
Ficamos na expectativa da chegada de meu pai. Será que ele gostaria? Será que era mesmo o famoso Eldorado? Já adivinhávamos que ele iria gostar. Dificuldades pareciam não assustá-lo. O ônibus proveniente de BH pára na esquina e meu pai desembarca. Curiosidade total, parecia que ele estava chegando de outro planeta. Atentos, ouvíamos contar como era o sertão. Parece que a gente estava abrindo um livro que contava a história de um mundo diferente. Trouxe amostras de pedras, frutas do cerrado, (cerrado que se ouvia falar pela primeira vez) espigas de milho enormes, rapadura de um tamanho descomunal totalmente diferente do usado, chifre de veado, penas de araras e periquitos, outras coisas que eu não me lembro mais. Disse que o sertão era rico de caça e peixes. Descreveu a vegetação, contou que nascente de água era chamada de vereda. Contou como foi a viagem. Trem de ferro até Pirapora nas barrancas do Velho Chico, depois uns dois dias na carroceria de caminhão até a Colônia bebendo água de alguma poça. Atravessou o Paracatu na balsa, cujo barqueiro era o Cícero, no Porto dos Cavalos, próximo ao Paredão. Quando leio “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa, no final do romance, aquele combate no Paredão, fico imaginando aquele povoado perdido no grande sertão. Chegando à Sede, hospedou-se na Pensão Coscap. Brasilândia acostumada a receber gente de todo o lado, logo tomava conhecimento com os forasteiros. Havia muita facilidade em obter informações, pois todos tratavam as pessoas que chegavam com muita consideração. O Sr Antônio Laurindo informou-lhe que não havia lotes para distribuir, porém o lote da Novilha Brava poderia ser requisitado, pois já tinha sido avaliado. Na manhã seguinte, conforme o seu relato, compareceu ao escritório da administração, apresentou seus documentos e expôs o objetivo de sua vinda de uma região tão distante. O chefe Dr Giovani lhe informou que realmente o lote da Novilha Brava estava disponível. O referido lote havia sido desapropriado do antigo dono após longo processo. Quando um colono não se enquadrava nas exigências da Colônia, era desapropriado, as benfeitorias avaliadas e o novo dono reembolsava o valor das mesmas. O Sr Antônio Laurindo emprestou um cavalo e meu pai foi conhecer o lote. Ele contou que o tal cavalo afrouxou na viagem. Chegando foi recebido pelo peão Agoncilio que tomava conta do gado do Laurão, antigo dono. Dormiu em um couro, o que não era estranho naquela época. No dia seguinte deu uma volta, conheceu algumas partes e retornou à Sede. Combinou a compra para ser concretizada daí a trinta dias. O valor na época era muito dinheiro: Cr$38.000,00, mas meu pai depositou a quantia de Cr$40.000,00.
A meta agora era conseguir a quantia que para pobre representava muito dinheiro. Vendeu as vaquinhas, a casa, os animais, a carroça, alguma ferramenta. Os irmãos dão uma ajuda e volta meu pai para concretizar negócio. Dia vinte de novembro adentra o escritório para a surpresa do chefe que talvez não imaginasse que o comprador de tão longe, de uma região tão diversa, viesse cumprir o trato. Enquanto meu pai cuidava do negócio, nós trabalhávamos na capina de eucalipto. Sol escaldante, pouca chuva. A gente bebia água com cor de ferrugem daqueles charcos das matas do rio Doce. Mudança é sempre um drama. O que pode levar? A maioria das coisas tem que ser vendida pelo preço que achar. O transporte ferroviário mesmo naquela época não ficava barato. Viajávamos em vagão de segunda classe, pois ficava mais barata a passagem. Às vezes penso que há coisas na vida difícil de acreditar, só mesmo depois de passar por isso. Aquele final de ano foi complicado. Planejar a mudança, organizar tudo só mesmo com muita paciência.
(GMP)

O INÍCIO DA GRANDE AVENTURA

O INÍCIO DA GRANDE AVENTURA

O início da grande aventura.
Janeiro chegou. Pouca chuva para a época. O Brasil experimentava grande euforia com o desenvolvimentismo de J.K. No plano internacional a manchete: a revolução cubana tendo à frente o Comandante Fidel Castro toma o poder. Na capa da revista Manchete sua foto; barbudo, ainda jovem, com o uniforme de revolucionário. Figura simpática, ninguém imaginava que depois viria o paredon e o socialismo na ilha. Os últimos preparativos para a mudança. Como estava próxima a festa de São Sebastião, padroeiro da cidade, meu pai não quis fazer a mudança antes; ficou decidido que no dia seguinte partiríamos. Como sempre nessas ocasiões, alguns desencontros de última hora; o carro que levaria a mudança até Monlevade, estação ferroviária mais próxima, enrolou o dia todo e deixou todos na mão. Como fazer a comida, um café, se tudo estava encaixotado? A sorte é que os bons vizinhos vieram em nosso socorro. Já era noite quando o vizinho Zé Grande, proprietário de um caminhãozinho Chevrolet Gigante daqueles usados então, se dispôs a levar a mudança. O carro não estava em ordem, pára-choques amarrado com arame, mas à noite talvez pudesse passar em São Domingos do Prata sem ser importunado. Até hoje penso como conseguiu organizar tudo no caminhão, além do pessoal; veio ainda conosco um rapaz de Sem-Peixe que ao chegar aqui não gostou e voltou imediatamente. Quando o silêncio pairou sobre a cidade e tudo parecia dormir, arrancamos. Eram vinte e três horas e vinte cinco minutos. O ronco do motor parecia abafar o clima de melancolia e ao mesmo tempo de esperança. A antiga igreja matriz com seu aspecto solene parecia abençoar; breve também ela cederia seu lugar para outra mais moderna. As últimas casas, a capela de Santo Antônio e Dionísio começou a ficar para trás; a sinfonia das águas da cachoeira do ribeirão quebrando o silêncio, a estrada serpenteando as encostas íngremes demandando o alto da serra das Posses; lá chegando, um último olhar, o cruzeiro iluminado, no morro que domina a cidade, destacando-se no meio da escuridão da noite como uma visão de fé e esperança; foi desaparecendo, desaparecendo como se um negro véu o fosse cobrindo gradativamente; como se uma página do livro se dobrasse, um capítulo se encerrasse e outro tivesse o seu começo...
De madrugada chegamos a João Monlevade. Meu pai, com a experiência de muitas mudanças, providenciou o despacho pela Central do Brasil. Uma máquina de costura Singer antiga, uma bicicleta Bristol importada e já bem velha, caixotes de roupas e ferramentas além de vasilhame. Até hoje existe duas alavancas, uma pá, um pé-de-cabra e outras ferramentas pequenas. Ainda deu tempo para conhecermos alguns pontos interessantes da cidade, o rio Piracicaba, a uzina da Belgo vista de longe, a igreja com uma gruta de Lourdes linda. Embarcamos rumo a BH, o trem serpenteava por entre vales e serras; a cada estação observava a altitude, já passava muito de mil metros, uma paisagem maravilhosa enchia as vistas. Minas Gerais é mesmo encantadora. As cidades históricas enchiam-nos de curiosidade, principalmente Santa Bárbara, Barão de Cocais, Caeté e Sabará. Ao aproximar de Belo Horizonte, na estação de General Carneiro, notamos que a nossa bagagem estava sendo descarregada para ser guardada em outro vagão. Não esqueço que alguém, passageiro do trem, ao ver aqueles caixotes disse: “deve ser mudança de algum baiano”. Coitado do nordestino pau-de-arara parece ser símbolo da retirada. A capital era um encanto de cidade. Com amplas avenidas e muita beleza, os veículos circulavam tranqüilos sem o tumulto do trânsito de hoje. Passeamos a noite, pernoitamos e de manhã embarcamos para a parte mais desconhecida da viagem rumo às barrancas do São Francisco. Ao tomar a direção do sertão, uma bifurcação da linha e uma pequena placa indicando “para o sertão”, a vegetação começa mudar, as grandes serras começam dar lugar a uma topografia mais plana. Sete Lagoas, Curvelo, Corinto e adentramos no mais autêntico sertão. Campinas floridas, cerrados; ao longo percebia-se que o rio das Velhas servia de baliza para aquela penetração interminável. Longo dia de verão, o trem sacolejando até que enfim a tarde foi caindo; uma chuva cobria aquela serra ao longe; de vez em quando, perdido naquele imenso cerradão, um pé de estribo. Um solitário passageiro denunciava a presença do homem naquelas paragens, dava o sinal e o trem parava embarcando talvez com destino à outra estação perdida naqueles ermos. Ao contornar uma vereda pela primeira vez vi pés de buriti; ficava intrigado ao verificar que as palmas estavam podadas, nunca imaginava que alguém galgasse o pé para cortar as folhas. Finalmente o trem chegou à Várzea da Palma, ponto de janta; outra surpresa nos aguardava, no banco da estação um enorme surubi estendido, creio que não era surpresa para ninguém da região acostumada com a cena. Nós vindos de uma região cujos peixes quando muito grande chegava a um palmo, ficamos admirados com o tamanho do pintado. O trem apitou e arrancou para a última etapa da viagem. Escuridão total, não se via mais nada, quando de repente a máquina começou reduzir a velocidade denunciando uma parada próxima. Lampiões iluminaram precariamente a modesta estação de Buriti das Mulatas perdida naqueles confins do sertão. Os passageiros acostumados com a viagem perceberam que comboio aproximava-se de Pirapora. Até que enfim ouvimos o ronco violento das águas do São Francisco que corriam livres, pois ainda não havia sido construída a barragem de Três Marias. Apesar do cansaço, a gente ficava impressionada com o barulho das águas, parecia que era uma grande enchente, o rio apenas estava um pouco mais cheio. No dia seguinte fomos conhecer a cidade, o cais do porto e outras atrações. A ponte Marechal Hermes transpunha com ousadia o rio. A estrada de ferro que partia da estação Pedro II no Rio de Janeiro deveria penetrar pelo sertão e chegar até o Pará. Buritizeiro às margens do rio não tinha a opulência de Pirapora; as casas eram baixas, a igreja e a Escola Caio Martins se destacavam. O monumental cais do porto serpenteava a orla do rio dando um aspecto de grandeza com os barcos atracados. A igreja matriz ainda não era forrada deixando os caibros à vista; um frei franciscano fazia um batizado. Mal sabia que daí a alguns anos, em 1976 seria celebrado o meu casamento nesta mesma igreja. Embarquei num domingo em um ônibus com minha mãe e as duas irmãs; meu pai e os irmãos ficaram para vir de caminhão junto com a mudança. O destino do ônibus era o vilarejo de Fróis (hoje Bonfinópolis) e o dono chamava-se Zé Tota. Atravessou o São Francisco, passou em Buritizeiro que chamavam de Piraporinha e começou a subir um morro embrenhando-se pelo cerrado. Paralelo à estrada havia uma linha telefônica decadente; essa linha tinha destino à Formosa, conforme pude saber depois; interessante notar que a mesma passava exatamente onde iríamos morar. Tendo saído às seis horas, chegamos ao Paredão às onze e meia, lá era o ponto de almoço. Uma modesta pensão serviu o almoço; não esqueço a farinha de mandioca, parece indispensável no cardápio da região. O ônibus, daqueles pequenos que eram usados na época arrancou e daí a pouco se avistava as barrancas do Paracatu. Ficamos preocupados ao ver aquele rio imenso, com a água suja, a balsa estava atracada junto ao barranco amarrada com cordas à uma grande gameleira. Embarcou o ônibus e o pessoal; todos encaravam aquilo com a maior naturalidade, menos nós, marinheiros de primeira viajem. O Cícero puxou a saca-polia e o motor roncou com força. Observava a outra margem rezando para chegar depressa, o barco começou a subir rio acima, parecia que não atingiria o local exato, pura ilusão; todos conversando com a maior calma. Pessoas treinadas pulam na margem e amarram as cordas; uma sensação de alívio para nós quando pisamos em terra firme. Reiniciada a viagem o carro rodou atravessando campinas desertas até passar junto à uma grande fazenda; daí a poucos metros um pneu estourou o que fez pouca diferença, pois o córrego do Cotovelo estava cheio e não dava passagem. Faltavam ainda, segundo disseram, doze quilômetros para chegar à Sede. Dois moços, filhos do Dico do Brejão, proprietário, com grande destreza e agilidade, apanharam uma canoa e lá vamos nós que nunca havíamos entrado naquele tipo de embarcação; naquela altura já nem tínhamos medo de mais nada. Pela frente um aterro recém-construído com bastante barro; minha mãe atolou até o joelho num buraco. Aguardamos um jeep que viria da Colônia apanhar os passageiros; encostamos a um rancho de um pernambucano, choupana cercada de paus e coberta de palha de buriti. Os meninos, sem camisa, nem preocupavam com os pernilongos que nos atacavam; pude saber depois que os insetos eram as famosas muriçocas, atacavam sem piedade, afinal era sangue novo que chegava. Amontoados no jeep sem capota chegamos à Sede da Colônia. A primeira visão que tive foi de um jogo de futebol no antigo campo. Poucas casas, um povo muito acolhedor. Mesmo durante toda a viagem éramos alvo de toda a atenção por parte das pessoas. Hospedamos na pensão do Senhor Joãozinho Gonzaga que também era o farmacêutico do lugar. Lá começamos a conhecer as pessoas. Chegavam e se apresentavam conversando de um modo totalmente diferente; parece que estávamos noutro país. Os homens com o revólver à cintura entravam e saiam com toda naturalidade; nós estupefatos, pois nunca tínhamos visto pessoas armadas. No dia seguinte fomos conhecer o lugar. Em Brasilândia (ninguém falava esse nome, mas Sede) quase não havia casas. Poucos armazéns, alguns moradores e bastante movimento, pois era o aglomerado mais próximo de toda região. Algumas construções modernas, como casa, capela e escola compunham o conjunto da administração. O meio de transporte era o caminhão e avião, no rio Paracatu naqueles dias ainda chegou o vapor Paracatuzinho. Sempre que ocorria uma emergência, o avião era chamado pelo serviço de rádio; o destino geralmente era Pirapora. Depois de dois dias, chega o caminhão com a mudança. Junto vinha uma turbina para uma uzina que estava sendo construída atrás da serra para fornecer energia elétrica; a energia existente provinha de um motor a diesel. Meu pai e os irmãos contaram que comeu peixe assado preparado por uma senhora chamada Dona Rumânia que também vinha no caminhão; a dura realidade não assustava aquele povo acostumado no sertão. Alguns moradores da Sede naquele tempo: Milton Magri que depois foi escrivão, Lindorifo esposo de Dona Edith Nery professora, também foi delegado de polícia, Eurípedes comerciante, Sinval do Almoxarifado e posteriormente agente dos correios, Nobelino Cearense dono do armazém, Jorginho da pensão Coscap e muitos outros que não lembro mais; colonos havia Antônio Laurindo no Lajeado, João Menezes na Barra, os Duartes na Pedra Fincada, Zico Matoso no Boqueirão, Abel também no Boqueirão, Pedro Dourado no Sucuriú, Zé Manoel no Córrego da Ponte, Sô Diocleciano, Nego Paiva no Gado Bravo e muitos outros. Os vaqueiros da Colônia transitavam na Sede com bombachas, equipados para a lida no campo; aquele tempo existiam as brabesas , gado criado na lei da natureza que era capturado pelos valentes peões. Como a casa do lote da Novilha Brava ainda estava ocupada, ficamos em uma pequena casa no Lajeado, cedida pelo Senhor Antônio Laurindo. Parte da mudança veio na carroça, cheguei com meu pai e irmãos para fazer um barraco para o vaqueiro Agoncilio. Era o dia nove de fevereiro de cinqüenta e nove, Após um dia de estafante caminhada chegamos à noite; a mudança foi feita por etapas.
(GMP)

ANSIEDADE E EXPECTATIVA

ANSIEDADE E EXPECTATIVA

Ansiedade e expectativa.
Sol escaldante. Pela estrada afora, a carroça puxada por uma junta de bois, carregada de alguns trastes e principalmente ferramentas. Uma reta que parecia não ter fim riscava a chapada agreste, onde não se via sequer uma choupana de buriti. Algumas pessoas, cansadas, tostadas pelo sol inclemente, acompanhavam a carroça. A sede, o cansaço parecia não abater a vontade e o ânimo daqueles que buscavam atingir a meta, ou seja, chegar à terra prometida. Isto mesmo, a terra prometida. Perseguida por muito tempo falta ainda a última etapa. Depois de longa caminhada, naquele mesmo dia, chegaria ao termo a penosa jornada. A paisagem parecia não mudar; qual viandante pelo deserto, não restava senão caminhar... caminhar...
A tarde foi chegando, caindo devagar, naquele verão de tão pouca chuva, o que agravava mais o calor. Após transpor a ponte do Gado Bravo que na época era uma grande ponte de madeira, pequena parada numa morada à beira da estrada para tomar um copo de água. A partir daí a estrada tomou outro rumo. Estreita, mal cabendo o carro de bois, foi-se embrenhado pelo cerrado adentro. Os primeiros animais de hábitos noturnos, começaram a bulhar nos arbustos em torno. Exaustos, os caminhantes começaram notar alguma diferença demonstrando sinais de alguma benfeitoria o que dava a esperança de que estava próxima a etapa final. A noite estava começando, dificultando a visão no discernimento do que havia pela frente. De repente, algo parecendo o espelho de uma lagoa começou avultar diante dos olhos. Após transpor uma antiga porteira, o grupo prosseguiu chegando finalmente ao terreiro da velha edificação. Um morador, com sua família aguardavam na porta, com uma lamparina, cuja luz tênue teimava em expulsar a escuridão que se adensava. Após tirar a canga dos bois, guardar alguns pertences, não restava mais que ajuntar alguns adobes, armar uma trempe e cozinhar uma refeição ligeira, depois de procurar o córrego onde um fiozinho de água mal permitia encher um pequeno balde. Àquela altura, ninguém tinha ânimo para mais nada. Colchões foram estendidos pelo chão; após aquela jornada, nada mais restava a não ser desprezar o corpo na cama improvisada e dormir tranqüilamente.Uma explosão de madrugada, acorda todos. Parecia que todos pássaros haviam combinado em acordar os intrusos que acabam de chegar. A aurora de um novo dia já começava pintar no horizonte; incontável bando de periquitos, jandaias, pássaros pretos, araras, iniciavam uma sinfonia infernal. O raiar de um novo dia na vida de uma família que ousou enfrentar o desconhecido!
(GMP)

ATÉ QUE ENFIM

ATÉ QUE ENFIM...

Até que enfim.

Chegando à Novilha pudemos ter os primeiros contatos com a terra. A casa era uma velha construção, antiga sede de importante fazenda pertencente á Dona Joaquina do Pompéu. Caso raro, pois tudo era novo, casa de telha talvez fosse a única. Começaram-se os trabalhos de construção do rancho para o morador, tudo era novidade. Não se conhecia qual o tipo de madeira que fosse apropriado para construção, estávamos num mundo estranho. No dia seguinte à tarde fomos conhecer a reserva, onde hoje é a Vila, muita mata e as vargens eram uma beleza. De quando em quando, um galheiro corria assustado com a presença de estranhos. Ao passar sob um jatobá imenso, um bando de patos selvagens voaram assustados, chamamos o lugar de “poleiro de pato”. Existia uma única barraca de palha onde hoje é a Conferência; uma capoeira muito fechada onde é a igreja, escola e a praça. Finalmente quando o rancho ficou pronto, o morador levou a sua mudança. Não esqueço que os moradores diziam que a casa era assombrada, quase toda fazenda antiga tem muitas lendas. Diziam que um antigo dono quando morreu foi levado por um boi preto e no caixão colocaram troncos de bananeira. Havia um quarto que era o tal assombrado. Como a casa ficou vazia naquela noite eu e Quito ficamos sós. Deitava-se cedo, pois não havia nada que fazer. De repente algo estranho chamou a atenção: no quarto ao lado um ruído como se estivesse arranhando o assoalho. Nunca passei tamanho medo, lembrei logo da tal assombração, bem que todos nos aconselharam a não ficar na casa sozinhos. A nossa sorte é que logo ouvimos conversas aproximando. O morador veio apanhar as galinhas no poleiro. O ruído logo parou e aliviados pudemos constatar que a tal assombração era o cachorro que havia penetrado no assoalho e ao perceber a chegada do dono saiu de seu dormitório. Não contamos nada a ninguém. Isto foi bom, pois nunca mais tive medo de assombração na casa velha. O pessoal poderia vir com o restante da mudança. Na véspera arrumamos alguns animais emprestados porque a distância era enorme e ninguém tinha o costume de tão longa caminhada; encontramos minha mãe e as meninas na Pinguela, o carro de boi vinha um pouco atrás com o restante da mudança. Era a manhã do dia quatro de março de cinqüenta e nove. Meu irmão Quito tomou umas réguas de canela da embalagem das ferramentas e confeccionou uma cruz e colocou-a na porta, conforme o costume de nossa terra; esta cruz se encontra na parede de frente de nossa casa. Foram quarenta e três dias a duração da mudança; todos já estavam angustiados com tanta demora. Começa então um período de muito trabalho e dificuldades. Tudo teria que ser comprado e o ano foi muito seco, sem colheitas. Os preços muitos altos e não se encontrava nada. Sabe Deus como passamos, colheita só no próximo ano. Parece que a dificuldade ensina a pessoa buscar os meios.
(GMP)

PERÍODO DE ADAPTAÇÃO

PERÍODO DE ADAPTAÇÃO

Período de adaptação.
Terminada a longa fase da mudança, começou o período de adaptação. Tudo era diferente a começar pelo vocabulário. Novas palavras tiveram que ser incorporadas. A vegetação toda diferente, precisava agora saber e decorar o nome de cada espécie. As madeiras cada qual própria para determinada coisa; umas eram de lei outras não tinham longa duração. A famosa aroeira logo tornou-se conhecida, seu cerne avermelhado e sua dura resistência facilitou sua identificação. Outras como baru, tingui, sucupira, umburana, pau d´oleo, capitão, cagaita e uma infinidade de nomes esquisitos. O linguajar do pessoal era totalmente diferente. Fomos acostumando devagar. Troca aqui era catira, terra de boa qualidade como beira dos rios e córregos eram as culturas, capim jaraguá, provisório, isqueiro, binga; as pessoas mais idosas eram chamadas de velho como por exemplo Véio Olimpio, Véio Timóteo. Quando um adoecia diziam que azangou, menino artioso, menino custoso como também qualquer animal ou gente que tivesse alguma treta. Automóvel, jeep, carro de fogo, estrada linha, cavalo reprodutor era pastor, quando uma mulher ganhava nenê, davam uma saraivada de tiros de espingarda anunciando a vizinhança. Acostumados com produtos de milho como angu, aqui só de milho verde pois não existia moinho dágua. Usava-se muita roupa de algodão tecida e confeccionada pelas tecelãs, inclusive colchas e redes. Alguns costumes como dobrar o milho quando a palha começava a branquear, vigia de passarinho, medidas como atilho, alqueire. Na colheita o arroz era vendido para os caminhãozeiros.
O povo tinha muitos costumes arraigados inclusive religiosos. As folias de Reis sempre foram uma forma de expressão de fé e cumprimento de votos. Dias santos muitos; a primeira segunda-feira de agosto não podia trabalhar porque era dia artiloso. Quando alguém ficava perturbado da cabeça, estava espritado. Havia missa uma vez por mês na Capela de Santo Alberto no Riachinho, lá era um ponto muito importante com igreja, cemitério, venda, farmácia; em setembro realizavam-se as festas de Santo Alberto e São Vicente de Paulo. Era a primeira capela da Colônia, feita de esteio e adobe; muito pequena para a população que para lá acorria. Quando havia missa geralmente havia batizados e casamentos. Debaixo das árvores ficavam os carros de boi com tudo necessário para dormir e cozinhar, as famílias vinham de longe. As noivas se preparavam num barraco de palha ao lado, os noivos se aprontavam debaixo de alguma árvore no cerrado próximo. Aos domingos a Conferência se reunia, além do culto dominical que já era celebrado naquela época por falta de padres. Quando o Frei Humberto chegava na casa de Dorinato que era o pouso, soltava-se foguetes para avisar a redondeza que o padre já havia chegado.
(GMP)

COMEÇA A LUTA

COMEÇA A LUTA

Começa a luta.
Os primeiros trabalhos foram alguns consertos em cercas, limpeza ao redor da casa e as roçadas. Havia necessidade de desbravar terras para o plantio; sem conhecer direito os lugares mais próprios para plantar, desmatou-se muitos lugares de terra inferior deixando muitas vezes de plantar em locais mais adequados; isto não impediu que muitas partes produzissem com abundância. O ano foi bastante seco e as águas ficaram difíceis; trazia-se água do rio, cabeceira do córrego, foi preciso fazer cacimba para obter água que nem sempre era abundante e clara. Havia verdadeira carência de pessoas com o mínimo de instrução, poucos liam. A escola próxima fundada a menos de dois anos funcionava na cabeceira do Banguelo. A professora estava noiva e mudaria para longe e Irene foi chamada para assumir a escola. Seu salário embora baixo ajudou muito. No ano seguinte passou-se a funcionar num quarto da casa velha. Notícias dos parentes só por carta, o correio era na Sede, havia um quadro no almoxarifado onde colocavam as cartas. Certo dia no final de agosto chega uma carta de Luzia participando o falecimento de minha avó; minha mãe ficou muito abalada com a notícia. Em novembro foi o casamento de Luzia, nem meu pai pode ir, era tão difícil a viagem além da falta de recursos.
(GMP)

OS PRIMEIROS SINAIS DE FARTURA

OS PRIMEIROS SINAIS DE FARTURA

Os primeiros sinais de fartura...
O início das águas foi demorado. Uma chuvinha no final de semana; isso não impediu que as terras fossem preparadas. Muita coivara para queimar para abrir espaço para plantar. Semente muito difícil e cara, era adquirida com muita dificuldade, às vezes com troca de dia de serviço. No final do ano já começou aparecer alguma abóbora e quiabo; em fevereiro já se colhia arroz no cacho e torrava na panela para socar. No mês de abril o arrozal estava maduro colorindo de amarelo as várzeas. No prolongado serviço de colheita comia-se carne de surubi; quanta fartura de peixes havia naquela época. A abundância de mantimentos veio cobrir aquela falta horrível; muito arroz, milho, cana, já não se passava falta como no início. Os caminhãozeiros começaram comprar arroz e trouxe dinheiro para a região. Os principais compradores vinham de Patos e Paracatu; havia uma balsa nos Poções e trânsito passando pelo Entre Ribeiros. A Colônia começou receber grande leva de migrantes provenientes da região de Três Marias; a barragem expulsou os moradores e chegavam muitas famílias. Na véspera da inauguração de Brasília em 21 de abril de 1960 à tarde, um imenso bando de jaburus veio no sentido oeste leste, talvez anunciando a epopéia. A região do noroeste foi sacudida pelo progresso; rodovias, povoamento; cidades que dormitavam há tempos foram sacudidas como João Pinheiro e Paracatu. O sertão já não era mais aquele. A Colônia recebia mais gente, as reservas foram invadidas e posteriormente divididas em pequenas áreas. Meu pai ajudou muito nesse trabalho, o chefe confiava a ele o encargo de tomar conta da reserva e avisar caso houvesse alguma invasão inesperada.
(GMP)

OS PRIMEIROS TEMPOS

OS PRIMEIROS SINAIS DE FARTURA

Os primeiros sinais de fartura...
O início das águas foi demorado. Uma chuvinha no final de semana; isso não impediu que as terras fossem preparadas. Muita coivara para queimar para abrir espaço para plantar. Semente muito difícil e cara, era adquirida com muita dificuldade, às vezes com troca de dia de serviço. No final do ano já começou aparecer alguma abóbora e quiabo; em fevereiro já se colhia arroz no cacho e torrava na panela para socar. No mês de abril o arrozal estava maduro colorindo de amarelo as várzeas. No prolongado serviço de colheita comia-se carne de surubi; quanta fartura de peixes havia naquela época. A abundância de mantimentos veio cobrir aquela falta horrível; muito arroz, milho, cana, já não se passava falta como no início. Os caminhãozeiros começaram comprar arroz e trouxe dinheiro para a região. Os principais compradores vinham de Patos e Paracatu; havia uma balsa nos Poções e trânsito passando pelo Entre Ribeiros. A Colônia começou receber grande leva de migrantes provenientes da região de Três Marias; a barragem expulsou os moradores e chegavam muitas famílias. Na véspera da inauguração de Brasília em 21 de abril de 1960 à tarde, um imenso bando de jaburus veio no sentido oeste leste, talvez anunciando a epopéia. A região do noroeste foi sacudida pelo progresso; rodovias, povoamento; cidades que dormitavam há tempos foram sacudidas como João Pinheiro e Paracatu. O sertão já não era mais aquele. A Colônia recebia mais gente, as reservas foram invadidas e posteriormente divididas em pequenas áreas. Meu pai ajudou muito nesse trabalho, o chefe confiava a ele o encargo de tomar conta da reserva e avisar caso houvesse alguma invasão inesperada.
(GMP)

OS TEMPOS FORAM PASSANDO

OS TEMPOS FORAM PASSANDO...

Os tempos foram passando...

Os tempos foram passando. A Colônia foi enchendo de gente. Em 1960, com o término das obras da barragem de Três Marias, os moradores desalojados pela represa tiveram que se deslocar para outras paragens. O destino desse povo geralmente foi os municípios do noroeste. Os lotes cujos donos não haviam se fixados e pensavam em mudar foram vendidos para os novos colonos, em parte foi bom porque trouxeram algum recurso o que incrementou bastante a região. Alguns anos, colheita abundante, outros o tempo não ajudava, em 1963 grande estiagem. A administração distribuía gêneros para as pessoas que acorriam à Sede em busca de recursos; foram distribuídos alimentos provenientes dos EUA. O ano seguinte grande fartura, grandes lavouras de arroz dourando os baixios. No final de março um fato marcou a História do Brasil: o movimento revolucionário. Uma grande crise avassalava o país; o governo parece não controlar mais a situação. Falava-se em reformas de base. Os movimentos populares e sindicais promoviam grande agitação. O comunismo era uma ameaça, greves por todo lado agravavam mais ainda a situação. Grandes marchas começaram acontecer pelo país. Líderes civis e militares se rebelaram e em 31 de março o movimento eclodiu. Grande apoio popular, o país suspirou aliviado. Acompanhávamos o desenrolar da crise pelo rádio, a situação deteriorava a cada dia. Na noite do dia 31 as emissoras de rádio começaram a interromper a sua programação para dar alguma notícia esporádica sobre o levante. Lembro que ao passo que ia ficando mais tarde a situação foi se definindo e as emissoras começaram a acompanhar o desenrolar da marcha. As marchas marciais faziam fundo e inflamados manifestos eram lidos; as emissoras favoráveis ao governo e a chamada cadeia da liberdade disputavam a audiência, eu e meu pai passamos a noite toda ao pé do rádio acompanhando o desenrolar dos acontecimentos. De manhã fomos para o serviço, a colheita de arroz estava começando; lá pelas três horas meu pai chegou gritando de longe: o homem caiu! Referia-se ao Presidente João Goulart. A Rádio Inconfidência liderando a rede da Liberdade comandava a concentração em frente ao Palácio executando “Já podeis da Pátria filhos...” Ficamos eufóricos, pois a situação anterior estava caótica e havia esperança que a ordem seria restabelecida. Ninguém esperava que a revolução durasse tanto tempo e se tornasse a chamada ditadura militar. Na época algumas palavras se tornaram populares como por exemplo cassar mandato, IPM , DOPS, Ato Institucional, subversivo, terrorista, exílio, anistia, etc. O noticiário à noite divulgava extensa lista de cassados, aposentadoria compulsória, preso político. O governo pôs ordem na casa.
(GMP)

ALGUNS FATOS IMPORTANTES

ALGUNS FATOS IMPORTANTES

Alguns fatos importantes.
A nossa história tem uma ligação bastante profunda com a Vila Santo Antônio. Nossa casa era uma espécie de centro de tudo o que acontecia em torno: missa, vacina, reuniões, distribuição de remédio contra malária, enfim tudo incluindo pouso de alguém que passasse pelas imediações. Em 13 de março de 1963, Frei Humberto celebrou a primeira missa em casa. A Reserva formada por pobres colonos cujas áreas ficavam à beira do rio em locais impróprios para morar, teve o remanescente mais alto loteado para construção de ranchos; Expedito topógrafo que fez o loteamento disse para os moradores que ali seria a Vila Santo Antônio; marcou o lote disse que fizessem a capela, prometeu na ocasião doar a imagem do padroeiro. Muitos anos se passaram e cumpriu a promessa trazendo a imagem. Logo correu o boato que um novo arraial estava nascendo. Meus irmãos logo lembraram do arraial do bambu rachado que o escrivão de um casamento caipira numa festa junina lá em Dionísio falava ao ler o termo do casamento. Começaram dizer que ia formar o arraial do Bambu Rachado; o nome era odiado pelos moradores, pois dava a idéia de lugar muito atrasado e não era isso que almejavam para a vila nascente. Não se sabe porque o nome pegou com grande facilidade embora simplesmente Bambu. Alguns fatos indiretamente interfere nos acontecimentos. Em janeiro de 1965 Brasilândia se torna paróquia e Frei Basílio passa a tomar conta a partir da outra margem do Gado Bravo. Para não perder essa porção da paróquia Frei Humberto apressou em conhecer a futura Vila. Andei com ele pelo matagal em picadas no meio do mororó; gostou e disse que poderia ser feita a capela, ele daria a assistência necessária. Este foi o empurrão mágico, o matagal em pouco tempo foi derrubado. O cruzeiro foi erguido no dia três de maio e a campanha para a construção da igreja iniciada. Um barraco de palha de buriti foi erguido servindo de capela provisória. A Conferência e o Apostolado da Oração foram fundados. Finalmente no dia 13 de junho de 1965 foi rezada a missa e celebrada a primeira festa do padroeiro. O mastro foi trazido da vargem próxima com grande cantoria na véspera e erguido no local onde até hoje é costume. Uma forma inusitada de iluminação, uma fila de estacas de vinhático acesas iluminou a praça. A missa com aquela comemoração marcaram definitivamente o nascimento da Vila.
(GMP)

RECIBO

RECIBO


Recibo emitido pela Administração em 20/11/58 referente ao pagamento das benfeitorias existentes no lote. O recibo consta Cr$ 38.000,00 mas foi depositado Cr$ 40.000,00 para cobrir eventuais diferenças.
(GMP)

TÍTULO PROVISÓRIO

TÍTULO PROVISÓRIO


Título Provisório, primeiro documento fornecido pela administração da Colônia. Nota-se que o mesmo contém dados do portador, data da aquisição, data da expedição, nº da parcela e assinaturas.
(GMP)

ANTIGA SEDE DO RETIRO DA NOVILHA BRABA

ANTIGA SEDE DO RETIRO NOVILHA BRAVA



Antiga sede do Retiro da Novilha Brava – Foto de 1998. Nota-se no lado esquerdo uma árvore gigantesca que no mesmo ano, na entrada da primavera tombou sobre a mesma quebrando a sua espinha dorsal - grande peça de peça de sua cumeeira. Ao fundo, destacando-se entre as mangueiras seculares, o imponente coqueiro hoje inexistente.
(GMP)

LAGOA FERRADURA/PALMEIRA

LAGOA FERRADURA


Lagoa Ferradura “escondida por espessa vegetação dormitava a Lagoa Ferradura” *
• Novilha Brava ontem e hoje.
(GMP)

PALMEIRA


Palmeira buriti (mauritia vinífera) emblema do sertão.
(GMP)

PROFETAS DE ÁGUAS PASSADAS

PROFETAS DE ÁGUAS PASSADAS


 Eu sabia que isso ia acontecer; quando a gente passava, a ponte balançava toda; é o que se ouvia, mas depois que a ponte caiu. Somos assim mesmo, profetas de águas passadas. Depois do fato consumado, assumimos a nossa posição, geralmente de crítica, o que aliás,  pode até ser positivo, desde que não se trate de cdríticas vazias, sem conteúdo. Depois que a carreta de adubo detonou a ponte, todos se ajuntam a examinando os destroços, procuram um bode expiatório; dizem que o recente trabalho de restauração não foi bem feito, que o ideal seria uma ponte de concreto. Talvez o calcanhar de Aquiles fosse o jogo da cabeceira da margem direita, que traiçoeiramente não demonstrava fragilidade.
        Concordo que as pontes de madeira já estão ultrapassadas. Mesmo que hoje não há mais aroeira para os esteios, vigas, balanças, tesouras, travesseiros; muitos talvez não conheçam a técnica da construção de tais pontes, uma verdadeira engenharia cabocla. As peças são montadas de tal forma que desafiam as leis da física, talvez seja esse o segredo de tamanha resistência, pois aguentou por longos anos de trânsito pesado.
       O valor de uma ponte para a comunidade é inestimável, seja ela de madeira ou concreto...
Perdemos uma ponte de uma grande importância histórica, pois ela escoava as abundantes safras, quando a região recém desbravada, batia o recorde em produção agrícola. Interessante notar que, indiferente a todo reboliço, um exótico imbé incrustrado numa fenda da viga, dava um toque poético, contrastando com o colorido sombrio do madeirame.
            Melancolicamente chego a conclusão que ¨mais vale uma velha ponte de madeira do que as mais belas ilusões. Oxalá esteja sendo pessimista em exagero e  a solução apareça o mais depressa possível, para alegria de todos. Vamos torcer.
Cenas do Cotidiano
Dom Bosco, 06 de novembro de 2003

Geraldo Mendes Paiva