terça-feira, 23 de janeiro de 2018

UM JORNAL DE EMBRULHO

UM JORNAL DE EMBRULHO


Um jornal de embrulho.

Certa manhã um dos meninos chegou em casa com uma mercadoria comprada na venda que ficava próxima; talvez uma rapadura, ou um pacote de macarrão; naquele tempo embrulhava as mercadorias em jornais usados. Meu pai que sempre gostou de ler jornais, tomou aquele pedaço e se pôs a ler; talvez por uma ironia do destino, aquele pedaço de jornal de embrulho mudou o roteiro da história de nossa família. Apanhou o pedaço de papel e lá estava um pequeno artigo no qual se lia: “Terra e gado para o homem do São Francisco”; adiante falava de uma Colônia às margens do rio Paracatu, no desconhecido noroeste do Estado. O governo federal havia loteado uma grande gleba e distribuía uma parcela de terra e algumas cabeças de gado para os colonos. Homem que não temia a aventura aquilo mexeu logo com sua imaginação. Sem terra própria, trabalhávamos nas mais variadas atividades. Plantávamos roça, horta, tocava olaria, capina de eucalipto na Companhia, aliás, tudo fazíamos para garantir o pão de cada dia. O sonho de ter um pedaço de terra, ainda que tão distante seria o ideal. Espírito aventureiro não pensou em outra coisa, sempre comentando que ainda haveria de ver de perto a tal Colônia. Embora também sonhado com um pedaço de terra, temíamos tão grande aventura. A região do São Francisco que a gente lia a respeito era o sertão cercado de lendas, feras e febres bravas, metia medo. Quem gostaria de enfrentar o sucuri que engolia um boi? Dizia minha tia que tudo que fosse plantado as aves devoravam, neste ponto ela não estava enganada, conforme constatamos depois. Dizem que Deus manda os recados através dos acontecimentos mais simples; uma pequena divergência com sua irmã, proprietária da fazenda onde morávamos, foi como um empurrão rumo ao desconhecido. O nosso amigo Chiquito de Trajano acabou de chegar com uma novidade. Foi em uma caçada lá para as bandas de um tal rio Preto, afluente do Paracatu, disse ter ouvido falar numa cidade não muito distante, desconhecida até então; dizia o nome de uma forma engraçada, ele falava Unai e não Unaí. Contou meu pai que lá era a tal Colônia que ele vira no jornal. Uma turma de caçadores de Monlevade todos anos ficavam quinze dias caçando no sertão. Debruçados sobre o mapa, analisaram toda região; um vazio imenso apenas traçado por rios, algum povoado desconhecido aparecia por acaso geralmente às margens dos rios, demonstrando que realmente a região era inóspita e desabitada. Agora só servia mesmo ir conhecer a tal Colônia. Conselhos não faltaram. Minha avó, coitada, talvez já pressentindo que não veria mais a sua filha, falou das dificuldades que na certa não faltariam. Afinal trabalho se arrumava em qualquer lugar. Dionísio era uma cidade pequena, tranqüila, muito boa para viver. Para quem morava tão próximo à cidade, com igreja, missa até diariamente, alguma diversão, muita amizade, enfrentar o desconhecido? Paracatu, Pirapora, Corinto, Curvelo eram uma referência em todo sertão; naquele tempo o oeste era o além-mundo. Idéia de maluco levar a família para um fim de mundo totalmente ignorado.
(GMP)

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