terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A AVENTURA COMEÇA

A AVENTURA COMEÇA

A aventura começa se tornar realidade.
Manhã de outubro, dia nove, ano 1958. Uma névoa branca cobria as encostas que rodeavam a cidade, com promessa de assim ficar o dia inteiro. O sino da matriz dobrava de meia em meia-hora em sinal de luto anunciando falecimento de Pio XII; naquele tempo quando o papa morria os sinos das igrejas tocavam o dia inteiro. A jardineira parou à entrada da cidade e mais um passageiro embarcou, iniciando uma viagem incomum naquela época. Até Belo Horizonte era admissível, tomando a direção do Rio ou São Paulo, mas para o sertão? Só mesmo alguém sem o mínimo de juízo. A construção de Brasília lá para as bandas de Goiás dava uma vaga idéia do que era o sertão. J.K. era tachado de doido; levar a capital para aquele fim de mundo? Deixar o litoral e transformar o planalto central, construir uma cidade em pleno deserto? O sonho de J.K. parece ter contagiado mais gente...
Ficamos na expectativa da chegada de meu pai. Será que ele gostaria? Será que era mesmo o famoso Eldorado? Já adivinhávamos que ele iria gostar. Dificuldades pareciam não assustá-lo. O ônibus proveniente de BH pára na esquina e meu pai desembarca. Curiosidade total, parecia que ele estava chegando de outro planeta. Atentos, ouvíamos contar como era o sertão. Parece que a gente estava abrindo um livro que contava a história de um mundo diferente. Trouxe amostras de pedras, frutas do cerrado, (cerrado que se ouvia falar pela primeira vez) espigas de milho enormes, rapadura de um tamanho descomunal totalmente diferente do usado, chifre de veado, penas de araras e periquitos, outras coisas que eu não me lembro mais. Disse que o sertão era rico de caça e peixes. Descreveu a vegetação, contou que nascente de água era chamada de vereda. Contou como foi a viagem. Trem de ferro até Pirapora nas barrancas do Velho Chico, depois uns dois dias na carroceria de caminhão até a Colônia bebendo água de alguma poça. Atravessou o Paracatu na balsa, cujo barqueiro era o Cícero, no Porto dos Cavalos, próximo ao Paredão. Quando leio “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa, no final do romance, aquele combate no Paredão, fico imaginando aquele povoado perdido no grande sertão. Chegando à Sede, hospedou-se na Pensão Coscap. Brasilândia acostumada a receber gente de todo o lado, logo tomava conhecimento com os forasteiros. Havia muita facilidade em obter informações, pois todos tratavam as pessoas que chegavam com muita consideração. O Sr Antônio Laurindo informou-lhe que não havia lotes para distribuir, porém o lote da Novilha Brava poderia ser requisitado, pois já tinha sido avaliado. Na manhã seguinte, conforme o seu relato, compareceu ao escritório da administração, apresentou seus documentos e expôs o objetivo de sua vinda de uma região tão distante. O chefe Dr Giovani lhe informou que realmente o lote da Novilha Brava estava disponível. O referido lote havia sido desapropriado do antigo dono após longo processo. Quando um colono não se enquadrava nas exigências da Colônia, era desapropriado, as benfeitorias avaliadas e o novo dono reembolsava o valor das mesmas. O Sr Antônio Laurindo emprestou um cavalo e meu pai foi conhecer o lote. Ele contou que o tal cavalo afrouxou na viagem. Chegando foi recebido pelo peão Agoncilio que tomava conta do gado do Laurão, antigo dono. Dormiu em um couro, o que não era estranho naquela época. No dia seguinte deu uma volta, conheceu algumas partes e retornou à Sede. Combinou a compra para ser concretizada daí a trinta dias. O valor na época era muito dinheiro: Cr$38.000,00, mas meu pai depositou a quantia de Cr$40.000,00.
A meta agora era conseguir a quantia que para pobre representava muito dinheiro. Vendeu as vaquinhas, a casa, os animais, a carroça, alguma ferramenta. Os irmãos dão uma ajuda e volta meu pai para concretizar negócio. Dia vinte de novembro adentra o escritório para a surpresa do chefe que talvez não imaginasse que o comprador de tão longe, de uma região tão diversa, viesse cumprir o trato. Enquanto meu pai cuidava do negócio, nós trabalhávamos na capina de eucalipto. Sol escaldante, pouca chuva. A gente bebia água com cor de ferrugem daqueles charcos das matas do rio Doce. Mudança é sempre um drama. O que pode levar? A maioria das coisas tem que ser vendida pelo preço que achar. O transporte ferroviário mesmo naquela época não ficava barato. Viajávamos em vagão de segunda classe, pois ficava mais barata a passagem. Às vezes penso que há coisas na vida difícil de acreditar, só mesmo depois de passar por isso. Aquele final de ano foi complicado. Planejar a mudança, organizar tudo só mesmo com muita paciência.
(GMP)

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