terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A MULA PESCADORA

A Mula Pescadora


Havia no Retiro da Novilha Brava, uma mula ruça, brava, cambeta das pernas tortas, ruim para deixar pegar, para pegá-la só com reza brava; enfim, todo defeito que um muar pode ter, a danada tinha. Ficava presa no piquete da porta, perto do curral, mas quando era preciso pegar, ajuntava a peonada toda e, olha lá, se não ficasse esperto, era mordida e coices para todo lado. Depois de pega e arreada, se transformava no melhor animal do mundo; podia viajar léguas, ela nem sequer molhava os baixeiros.
Sabe-se que burro só é burro de nome; ele é o animal mais astuto. Montado em um burro pode-se viajar léguas por trilhas íngremes, matas fechadas infestadas de canguçu; quando percebe que a bichana está por perto, dá sinal para o dono, ora torna a orelha para trás, ora para frente, o cavaleiro a esta altura apronta a arma e atento, observa o sinal do animal. Nossa Minas Gerais muito deve ao burro; no lombo das tropas foram carregadas as mercadorias, isso possibilitou a penetração dos desbravadores em seu território. Foram se espalhando os arraiais, embora a ambição pelo ouro e pedras preciosas, foi a mola-mestra. 
Voltemos à nossa história. Apesar de toda deformidade, a nossa mula tinha uma qualidade inigualável: era pescadora. Um antigo vaqueiro da Novilha Brava, sempre que queria comer um peixinho, apanhava o bornal de couro e botava na garupa, nada de anzol, minhoca e demais apetrechos que só mesmo pescador entende; montava na mula e rumava para a Ferradura, lagoa situada na vazante, escondida por espessa vegetação. Chegando ao barranco já tinha o pesqueiro certo, ou seja, um ponto em que o gado bebia.(1) A pescadora descia o barranco, fingia que ia beber água; mal aproximava o focinho, uma piranha abocanhava-o; ato contínuo, a mula golpeava o peixe que caía bem distante da margem. O vaqueiro jogava a isca novamente, perdão, a mula aproximava o focinho e mais outra piranha... Com muita calma (e cuidado, é claro) o vaqueiro recolhia o produto da pescaria, botava no bornal e voltava tranqüilamente para casa. Com os companheiros, à noite, entre uma mentira e outra, deliciavam a suculenta piranha.
Festival de Dourados
Conta-se que na barra do rio Preto com o Paracatu, era também o ponto de encontro dos dourados. Quando caía a tarde, para passar de canoa era uma verdadeira dificuldade. O finado Antônio Delfino dizia que no bico da canoa deveria ir um pescador com um varejão batendo na água com muita força, gritando “dourado, dourado” para que os peixes fossem abrindo um vão para a canoa passar. Embora, sem contar o exagero, temos que admitir que os peixes diminuíram bastante. Onde estão, aqueles enormes surubis, que estendidos ocupavam o comprimento de um banco e fazia delícia da semana santa? Oxalá, ainda tenha que usar o varejão na barra do rio Preto...

(1) A foto mostra o local da bebida do gado, da pescaria; debaixo do ipê florido.

Lendas da Novilha Brava
Geraldo Mendes Paiva

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