terça-feira, 23 de janeiro de 2018

SAÚDE PARA TODOS

SAÚDE PARA TODOS

SAÚDE PARA TODOS
Por se tratar de uma região recém-desbravada, banhada por grandes rios, sem saneamento básico e mesmo educação sanitária, as doenças sempre causaram preocupação à população de toda Colônia do Paracatu. Nos primórdios, os doentes eram levados de avião até Pirapora onde recebiam tratamento no Hospital do SESP. Posteriormente os pacientes não tinham o mesmo tratamento; um único médico na sede da Colônia (Brasilândia) atendia uma população espalhada pelos lotes, onde não havia sequer estradas para facilitar o acesso. Um posto de atendimento em condições de precariedade era o único recurso. A administração mantinha um médico para dar assistência a uma grande faixa da população, muitas vezes pobres colonos cujos recursos nem sequer dava condições de fazer um tratamento de acordo com a necessidade do caso. Dentre os médicos que aqui trabalharam destaca-se Doutor Ciro de Araújo Reverbel Góis, o popular Doutor Góis. Homem enérgico, bravo, gaúcho dos pampas, não houve sequer um rancho de palha que não foi visitado quando a doença nele penetrava. Apaixonado pela agricultura gostava de plantar sua lavoura. Quando um colono visitava o seu consultório, preocupado por haver deixado alguém da família doente, era submetido a um verdadeiro interrogatório; precisava informar ao doutor quantos litros de arroz plantou, quanto colheu, por quanto vendeu a produção, se a plantação ficou boa, se não deu lagartas e outras perguntas do gênero. Só depois disso tudo, ia cuidar do doente, isso é, ouvir as informações para passar a receita. Contam até que certa vez ao receitar, ao invés de escrever “tomar três comprimidos ao almoço” colocou: “tomar três alqueires de arroz ao almoço”, tal era a sua obsessão pela agricultura. Apesar de toda falta de recursos, nunca descuidou da vacinação das crianças. Era o verdadeiro terror da criançada; apesar de sua aparência de papai Noel. Só de vê-lo já começava o berreiro. Onde sentava tudo ficava molhado, inclusive suas roupas, a criançada apavorada esperneava, urinava de medo. Trabalhou desde 1958 até a sua morte em 1976. Quem não se lembra daquele lendário vulto ágil, barbudo, vestido de branco, correndo para tomar o jeep sem capota para socorrer alguém na distante zona rural. A mortalidade infantil, cujos índices eram alarmantes, caiu sensivelmente a partir de 1970, provavelmente devido ao trabalho incansável de Doutor Góis.
A febre malária era o pior flagelo de toda a região ribeirinha. Os moradores já acostumados, já conheciam os sintomas. A febre repetia todos os meses e só era debelada com a administração dos comprimidos de “aralen”, terrivelmente amargos. Na casa da Novilha Brava era o posto de notificação que atendia esta região. Colhia-se o sangue em lâminas que eram enviadas para exames em laboratório. Nos primeiros meses de 1967 estourou um gravíssimo surto de febre, só que desta vez, segundo constataram era a forma mais maligna da doença. A situação ficou mais catastrófica, pois a forte epidemia não havia meios de enfrentá-la tal era a carência de recursos. Impressionante o desolador quadro que se apresentava; chegava-se a uma casa e encontrava os moradores esqueléticos, sentados em paus à beira do terreiro tremendo de frio, embora o sol já se fizesse alto. A Vila Santo Antônio foi duramente atingida incluindo toda a adjacência. Muitos idosos sucumbiram na ocasião, só restou o senhor Albano, sem contar os óbitos cuja causa indireta deve ter sido a febre. Fui encontrar Doutor Góis no Posto, o mesmo estava lotado principalmente pelo pessoal da Vila. Entregou-me uma vasilha de alumínio lotada de comprimidos de aralen para distribuir com as pessoas, que, aliás, estavam todas infectadas. Quando alguém recusasse tomar a injeção de “paludan”, pegava na marra e aplicava aquele líquido azul escuro justamente naquele lugar onde o paciente jamais gostaria. Muitos ficaram com as seqüelas, pois a ingestão exagerada de medicamentos provocou problemas no fígado e baço. Ocasionou verdadeiro êxodo da região; vendiam tudo por qualquer preço e davam o fora levando consigo o pesar de deixar as terras férteis, embora só depois de muito tempo puderam ter saúde. Esta foi a página mais negra da história da Vila Santo Antônio e de toda a região ribeirinha.
Os tempos mudaram. Duas medidas foram tomadas no sentido de melhorar as condições de saúde e higiene da população. A falta de fossas e água potável ocasionava graves problemas de verminose. Em 1973 a Fundação Sesp implantou um programa de fossas sépticas e filtros em todas as casas, com o apoio da Comissão de Saúde local que teve participação ativa em todo processo. A perfuração de um poço artesiano proporcionou, mesmo de forma precária, água de melhor qualidade. Agindo dentro de sua filosofia programática, segundo a qual as ações no campo da saúde devem priorizar o caráter preventivo, a mesma Comissão elaborou um documento dirigido ao senhor Governador do Estado, Doutor Aureliano Chaves reivindicando a construção da Unidade de Saúde. O sonho da população pode ser concretizado, sendo que no final de 1980 iniciou-se a construção e finalmente começou a funcionar de fato em 24/08/82. Embora não haja registros e estatísticas, podemos afirmar com certeza que, o trabalho de educação sanitária, atendimento à gestante e a criança, programas de vacinações, exames e demais cuidados, melhorou consideravelmente as condições de saúde da própria comunidade e adjacências.
Ao fazer esta retrospectiva não poderia deixar de prestar o devido reconhecimento a todos profissionais que laboram na área; com dedicação, amor e desprendimento estão contribuindo para que haja vida e saúde para todos!

Fazenda Novilha Brava, 9 de setembro de 2009.
Geraldo Mendes Paiva

“Ela veio de longe, do São Francisco. Um dia, tomou caminho, entrou na boca aberta do rio, e pegou a subir. Cada ano avançava um punhado de léguas, mais perto, mais perto, pertinho, fazendo medo no povo, porque era sezão da brava – da “tremedeira que não desmontava” – matando muita gente.
--Talvez até aqui ela não chegue... Deus há-de...
Mas chegou. Nem dilatou para vir. E foi um ano de tristezas”.
Sagarana / João Guimarães Rosa: Ed. Nova Fronteira – RJ. 2001.

Você sabia?
• A Secretaria de Estado da Saúde enviou uma equipe composta por médicos americanos para verificar a epidemia de febre na região. Segundo comentários, o chefe da equipe pediu a rápida evacuação de seu pessoal, pois constatou tratar-se do tipo mais agressivo da febre malária.

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